sexta-feira, 16 de setembro de 2016

FEELS BAD


>jardim de infância
>primeiro dia de aula da minha vida
>não conhecia ninguém, tímido
>avistei uma menina sentada colorindo um girassol de azul, e ela ali mesmo roubou meu coraçãozinho
>eu achei que ela não me notaria
>mas eu estava errado
>ela veio até mim, trouxe seus lápis de cor e dividiu comigo, fizemos os trabalhos juntos
>perguntei sua cor favorita, ela disse que era azul
>disse que se dependesse dela, tudo seria azul, até eu
>nos tornamos melhores amigos
>descubro que ela era minha vizinha
>um dia, brincando na rua, um gato vem insanamente pra cima de mim, e eu fico paralisado, todo arranhado
>ela vem e espanta ele
>fico envergonhado mas agradeço
>ela diz que tem um presente pra mim, e me dá uma concha que trouxe da praia
>disse que sempre que eu quisesse conversar com ela, era só colocar o ouvido na concha e esperar
>e me deu um bandaid azul
>segundo ela, era pra curar qualquer machucado
>guardo a concha com carinho e o bandaid, mesmo depois de usado
>todos falam que somos um lindo casal
>não damos bola, comer massinha
> namorar
>o tempo passou
>já não nos falamos tanto, ela está crescendo, e eu também
>quinta série(sexto ano)
>eu mudei de escola, ela também
>nas férias tínhamos conversado, sobre o que esperar das novas escolas
>não a vejo em lugar algum
>final da aula
>vejo ela na mesma posição de sempre, com aquela cara de sono no portão do colégio, esperando seus pais
>e a sagrada mochila azul
>passei olhando aquela menina
>achei que ela não ia me reconhecer
>mas eu estava errado
>ela me viu, abriu aquele sorriso que só ela tinha e me deu um abraço que me fez ganhar o dia
>seus pais não vinham, fomos juntos pra casa
>me deu um beijo no rosto de despedida
>começamos a ir a pé todos os dias pra sua casa
>ela sempre me convida pra ir lá jogar stop
>ou pros recitais de piano
>sempre vou
>eu compro algodão doce azul pra ela, vamos no cinema
>todos dizem que formamos um lindo casal
>só que somos amigos, só isso
>primeiro ano da faculdade
>era meu primeiro dia lá
>calouro, não conhecia ninguém
>dessa vez eu não vi ela
>a menina dos meus sonhos
>chegou o intervalo, eu tava sentado sozinho
>e eu fiquei assim, sozinho
>aquele não foi um bom ano
>já nos falamos menos, ela estuda em outra faculdade longe da minha
>algum tempo depois
>conseguiu meu número e me pergunta como estão as coisas
>papo vai e vem, marcamos de ir no parque de diversões da cidade
>era um daqueles bem clandestinos, mais seguro que pular de paraquedas
>sem paraquedas
>vamos na roda gigante, ela tem medo de altura
>segura minha mão bem forte e fala:
>não me deixa cair?
>eu respondo gaguejando: vou tentar, juro
>ela riu
>ela me abraça bem forte, e me dá um beijo
>peço pra namorar ali mesmo
>achei que ela ia recusar
>mas eu estava errado
>ela aceita
>último ano da faculdade
>estamos dando um tempo e focando nos estudos
>o baile de formatura tá chegando
>fizemos um pacto no início do namoro
>sempre que estivermos sozinhos, não importa onde, temos que fazer companhia um ao outro
>meu par torceu o pé
>peço se posso dançar com ela
>eu achei que ela não dançaria
>mas eu estava errado
>aceita na hora
>disse que jamais recusaria
>passo na casa dela, ela está linda, com aquele vestido azul
>eu fico hipnotizado
>ela dá muita risada e nisso vamos pro baile
>dançamos, depois do discurso dela
>nos beijamos e voltamos a namorar
>meses depois peço ela em noivado
>antes que eu possa terminar de falar ela já disse sim mais vezes do que eu sei contar
>me abraça e diz que vamos ser felizes juntos, ter uma casa azul, morar na praia e ter um cachorro e um jardim de girassóis
>nos casamos
>estamos trabalhando, não moramos na praia e nem temos o cachorro mas nossa casa é azul, e o jardim está feito também
>temos um filho
>e estamos envelhecendo devagar
>algum tempo depois
>você é a velha mais bonita do mundo, digo a ela
>ela sorri
>nosso filho chega em casa, com a notícia que vai ser pai
>comemoramos juntos, orgulhosos
>mas ela diz que está se sentindo meio tonta, vai ao banheiro, tosse sangue
>levo ela pro hospital
>é câncer, leucemia, alguma merda assim, eu não prestei atenção
>eu só senti a terra me engolindo, e o meu mundo desabou
>eu chorei, força não tem a ver com esconder a tristeza ou não
>achei que ela iria ficar triste, muito
>mas eu estava errado
>ela chorou um pouco, mas sorriu mais que tudo
>disse que era durona, ia viver mais mil anos ainda, pra me proteger dos gatos da vizinhança
>mas eu sabia que ela não estava bem
>o médico nos fala o custo do tratamento
>é muito mais do que eu poderia pagar
>mas eu olho pra ela, e ela olha de volta, e eu soube que tinha que pagar
>volto a trabalhar, e quando saio vou visitar ela, dormimos no hospital
>o tratamento surte pouco efeito, ela parece piorar
>pede pra ser levada pra casa
>vendemos tudo e compramos uma casinha na beira do mar
>ela está fraca, mas aquele sorriso faz com que ela pareça 30 anos mais jovem
>um dia, fazendo o café
>chamo ela, e ela não responde
>chamo duas, três vezes e nada
>subo até o quarto
>ela tá dormindo.
>mas ela não vai acordar
>eu perdi ela
>mas eu sei que tudo tem um propósito
>olhando pra ela, eu lembrei
>da vez que brigamos, achei que ela me deixaria
>mas eu estava errado
>você me comprou chocolates, disse que era pra acalmar a minha TPM
>da vez que eu fiz ciúmes nela, e achei que ela não olharia mais pra mim
>mas eu estava errado
>me deu uma bronca e me fez prometer não fazer de novo
>a vez que fomos no recital, e você tocou tão bem, mas as pessoas aplaudiram pouco, e eu comecei a assoviar e gritar seu nome
>achei que você morreria de vergonha
>mas eu estava errado
>você sorriu e ficou vermelha, mas depois me agradeceu
>e eu lembrei também da concha e do bandaid
>toda tarde eu sento aqui na varanda, onde a gente olhava o por-do-sol, e eu fico tentando ouvir você na concha
>você não respondeu ainda, mas sei que é por que você é teimosa e difícil
>e o bandaid eu levo comigo, aqui do lado esquerdo do peito
>só que esse machucado ainda não sarou.
>eu achei que a gente ia viver felizes para sempre, vendo esse céu azul
>mas
>eu estava errado.

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